quarta-feira, 17 de março de 2010

VALE TUDO EM FAMILIA



Em princípio, a gente sente o impulso de dizer: não, eu nunca fiz isso. Mas fez. E faz. E fará sempre. Ser mais condescendente com estranhos do que com os membros da própria família.

Não estou me referindo a lares desarmônicos. Estou falando de famílias integradas, unidas, resolvidas. No seio dessa família feliz, vive um pai, uma mãe e vários filhos, de idades diversas, que são verdadeiros lordes com seus namorados e amigos, com o seu João da portaria e com o Zeca, o estagiário. Passam o dia sendo gentis, educados e pacientes com os outros, enquanto que para a família reservam sua raiva, seu sarcasmo e sua indiferença.

Normal. Você não pode rugir para o guarda que vem lembrá-lo de que seu carro está estacionado em local proibido. Não pode saltar na jugular do cliente que reprovou o trabalho que você passou o feriadão fazendo. Não pode perder a calma com o garçom que lhe serviu uma gororoba. Não pode debochar da asneira dita pela menina que você conheceu há duas semanas e que pode vir a ser sua futura esposa. Você precisa ser razoável. Tolerante. Equilibrado. Afinal, você é substituível.

Os únicos seres humanos que manterão você no elenco fixo até o fim dos dias são seus pais e irmãos. Familiares, como os diamantes, são eternos. Então é nesse núcleo sólido que você vai exercitar sua autenticidade. Se a comida está ruim, reclama. Se estão pendurados no telefone por muito tempo, xinga. Se te pegam num dia de mau humor, solta os bichos. Os brutos também amam.

Anormal é o contrário. Quando vejo uma família que se agarra aos beijos e abraços, morrendo de saudade uns dos outros mesmo se vendo todos os dias, acho quase patológico. Isso não é família, é uma reunião do Rotary.

Não me acusem de estar incitando a violência doméstica, também não me agrada ver sangue. Estou apenas comentando sobre aquelas atitudes corriqueiras em família, como opiniões sinceras demais, emburramentos longos demais, invasões de privacidade assíduas demais. Tudo isso que a gente evita quando está na rua e se esbalda quando está em casa. É claro que a gente deveria evitar grosserias gratuitas, é claro que deveríamos ser mais delicados com nossos entes queridos, mas essa falta de cerimônia também pode ser considerada uma forma de amor e intimidade. No mínimo, ninguém poderá se queixar de não estarmos sendo espontâneos.